Cinzas
Vindo do nada, uma surpresa boa e inesperada, as palavras incontidas brotaram e floresceram num rendilhado terno e mágico de encantar.
Ela resiste, ele insiste. Ele não desiste e ela acaba por desistir e deixa-se ir. Ele mergulhou enfeitiçado nos olhos esverdeados dela, e ela, deixou-se cativar pela sua alma de menino, um menino puro e transparente.
Foi intenso, profundo, desgastante, foi uma vertigem estonteante de paladar doce.
Ela nada tinha a perder, pois já tinha perdido tudo. Só tinha a ganhar.
Ele podia perder tudo, mesmo que tudo não tivesse, mas se ganhasse, não poderia ganhar tudo, haveriam pedaços de si que lhe seriam arrancados, ficariam moribundos e doridos a sangrar pelo caminho.
Ela estava firme, mas escondia-se no choro triste e abafado.
Ele nada dizia, estava calado.
E o silêncio feria os ouvidos estilhaçados, deixando-lhes o coração rubros de dor.
Que faz uma mulher quando já tudo perdeu e só já pode ganhar? Avança sem medos.
Que faz um homem esquecido de viver, de sentir, de amar e de se deixar amar? Que faz um homem manietado pelas circunstâncias cruéis da vida?
Que faz um homem que quer voar, mas que tem as asas feridas, que não tem energia para levantar vôo, que não tem tempo para prosseguir o sonho, que tem medo de acreditar?
E que faz um homem que para se libertar da asfixia que o atormenta? Muitos destroços pelo caminho terá de deixar.
É um cobarde?
Não, não é.
É apenas um ser humano!
Pois é...não será talvez o caminho que deseja e que necessita, mas sem dúvida "é o caminho mais fácil"...
Restam as cinzas.
Cinzas rubras, a escaldarem de ainda tanto queimarem?
Ou apenas cinzas geladas, negras e cinzentas, já esquecidas e que o vento irão levar?
Ficam as memórias ternas. Fica o sorriso dos seus olhos a mergulharem em queda livre, agora tristemente húmidos e lágrimas bem salgadas.
E mais um sonho mergulha nas águas azuis daquele rio... e começa a afundar-se... para sempre.
Ali ficará a descansar tranquilo junto de outros sonhos sonhados, mas que também se escaparam, fugiram com medo ou apenas pela lucidez da realidade cruel da vida.